O valor de uma âncora.

29/06/2013 09:48

...... no passado, na divisa de SP e Paraná, um jovem adolescente que ainda aprendia governar sua pequena canoa e golpeava de forma tímida a o Mar com seu remo, perguntou ao seu velho tio...

          _ Passeava com um grupo de colegas, filhos da cidade grande que conheciam pouco o Mar, neste passeio no Mar e na praia os ajudei em tudo e tudo resolvia.  Seguimos para cidade, havia lá um circo, pessoas, lojas... mas notei que eu já não era tão importante para o grupo, nem me lembro o nome de todos....

 

Antes de concluir sua queixa, o velho e sábio Caiçara, forjado pela força do Mar e do vento iniciou um raciocínio simples, dizendo:

          _ Menino, você já pensou como tratamos o ferro? Se referindo a âncora. Pois é, é um equipamento pesado, com pontas perigosas, ocupa um espaço precioso na canoa, sem cabo e filame de nada serve. Mesmo parecendo ser desnecessária, quando a jogamos ao mar ela fica invisível aos olhos garrada na areia, na lama ou nas pedras. Ninguém a vê, mas sem falar, fazer gestos, escrever ordens, ela governa a canoa na corrente leve ou no mar corrido com ou sem onda. Mesmo submersa, se referindo a ancora, a proa da canoa avisa sua direção. Se deixarmos apoitada a canoa, saímos para roça, cerco, mato, bica, ou onde for e quando voltamos à canoa continua lá, segura. A posição da proa denuncia ao navegante, o ferro está ali. Para navegar só tem um jeito, caçar o cabo e colocar filame e ancora a bordo em posição de destaque - ante avante de todos e tudo, na proa. O dono da canoa sabe, se livrar dela? só quando tirar o casco da água ou com lasdeguia em um cunho ou mourão, pois custa caro. Todos falam que não tem valor, mas se der moleza alguém leva e quem tem uma, duas, três, quarenta, coloca sua marca, para todos saberem que tem dono.

 

Pois bem nós os caiçaras somos assim, conhecemos o Mar e é nossa obrigação orientar e proteger os que não o conhecem, pois Mar, pede e exige respeito, muito respeito. Às vezes, quando não estamos fazendo o que sabemos fazer, parece que somos indesejados, parece até que ocupamos espaço, mas nosso saber nunca vai à popa. Somos consultados para chuva, para sol, para pesca, para viagem, até na guerra nos pediram ajuda.

Mas quando estamos no mar em uma singela canoa ou em grandes barcos estofados, com motores, chuveiro, somos respeitados. Em atividade em mar, todos olham para nós, esperando nossa opinião. Nossos conselhos viram ordens. Não gostamos muito de aparecer, mas governamos bem o que estiver em nosso filame.

 

O menino voltou para sua canoa com grande sorriso e com primos e parentes começaram a furar um buraco de enora no delicado banco de sua pequena canoa para fixação de um mastro e amarrar um pequeno filame de sua primeira âncora, uma diminuta garateia.

 

Histórias e crônicas do povo de Trincheira.

 

Projeto Circuito Tambor

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